Tacu Tacu entre irmãos

tacutacu

César vivia em Barranco, bairro boêmio de Lima. Nos conhecemos em um passeio de dois dias no Vale de Colca, região sul do Peru, próximo a Arequipa. Como chegaria a capital do país em um mês e pouco, ficou o convite para visitá-lo. Em uma sexta tomamos umas cervejas e no dia seguinte me chamou para almoçar em sua casa. Depois iríamos a um concerto com bandas locais.

Cesar é gay. Contou-me como foi difícil superar a separação de seus pais. Assumiu sua homossexualidade aos 17 anos e seu pai nunca aceitou. As paredes de sua casa ruíram e desabaram em um abismo de brigas interminável. Até que um dia seu pai disse na sua cara: saía de casa por sua causa. Filho gay não. Foi-se e nos últimos dez anos viram-se um par de vezes.

Além da rejeição paterna, teve que enfrentar a nova situação econômica da família. A pensão garantia apenas a subsistência da geladeira. A mãe, que fora uma exemplar dona de casa a vida toda, via-se obrigada a encarar o mercado de trabalho pela primeira vez aos 43 anos. Tinha que alimentar os três filhos. Na época Mariana, sua irmã mais velha tinha 21, ele completava 18 e Gisel, a irmã mais nova, brincava aos 10 anos.

Não imagino a culpa que carregava. Percorreu quilômetros de terapia até dormir um sono tranquilo. Frente a esse mar bravio, cada um remou para um lado: ele consegui uma bolsa na universidade de Economia, um emprego de meio período em um banco e foi morar com uns amigos. A irmã conseguiu um emprego na loja de roupas de uma conhecida.

A mãe se virou. Vendeu de tudo, cosméticos, doces, artesanato. Foram alguns anos assim, até que uma amiga a chamou para trabalhar numa corretora de imóveis. Era seu primeiro emprego fixo. Dois anos depois a amiga anunciou: “agora seremos concorrentes! Você já pode abrir sua própria corretora”. Tem sua pequena empresa há 6 anos. Cesar formou-se, fez MBA nos Estados Unidos e era executivo de uma seguradora. A família levantou-se.

Cheguei a sua casa às duas tarde. Preparava o Tacu Tacu, que basicamente é um mexido de arroz com feijão e molho apimentado, servido com banana, bife e ovo frito. Estava quase no Brasil. Há opções com frutos do mar.

Foi quando Mariana, a irmã mas velha, chegou. Simpática, perguntou do Brasil, viu o almoço e se convidou. Pegaria o filho na escola e voltava. Quando se foi, Cesar ficou um tempo quieto, pensativo. Aí ele contou sobre ela. Casada há sete anos, com um filho de seis, não trabalhava. “Ela não percebe o que está acontecendo. Está repetindo a mesma história de minha mãe. Não trabalha, não fez faculdade. Só cuida do filho. E não são três como minha mãe, é só um, e já está na escola. Ela podia trabalhar, ter vida própria. Para justificar sua condição de dona de casa, está fazendo tratamento para ter mais filhos, mas ainda não conseguiu”.

Ele ficou mais um tempo em silêncio. Com o arroz e o feijão cozidos, preparou um refogado com cebola, alho, pimenta amarela, tudo bem picado e pimenta em pó. Pronto, juntou o feijão e depois o arroz. Ajeitou e deixou tostar em cada lado, como se fosse um omelete. Continuou:

“Você sabe como é. Ela é submissa. Hoje em dia que homem respeita uma mulher que não é independente? Eu conversei com ela e ela diz que o aconteceu com nossa mãe jamais acontecerá com ela. Que isso era intriga de minhas amigas feministas e infelizes, que era bom viver assim, dona de casa cuidando do filho. Era sua escolha, não era contra a lei depender do marido.”Quem disse que toda mulher tem que trabalhar?”, defende-se. Só ela não percebe que a história é a mesma. Amanhã eles se separam e ela como fica? Recebendo pensão? Está acomodada. Parece que não aprendeu com a vida”.

A campainha tocou e César deu um longo suspiro. Voltou brincando com o sobrinho sorridente. Passou os bifes, fritou os ovos e sentamos à mesa. César se esforçava, mas ele e sua irmã não conseguiam disfarçar a distância que os assolava. Visões de mundo distintas não permitiam nem que se olhassem firmemente nos olhos, e evitavam discordar de qualquer assunto. Minha viagem e outras comidas típicas dominaram a agradável conversa.

1 thought on “Tacu Tacu entre irmãos

Leave a comment